UNAIDS aponta queda no progresso global rumo às metas de resposta ao HIV até 2020
O ritmo do progresso na redução de novas infecções por HIV, o aumento no acesso ao tratamento e a queda nas mortes relacionadas à AIDS estão se desacelerando de acordo com um novo relatório divulgado hoje (16/7) pelo UNAIDS. O relatório Communities at the centre (Comunidades no centro, na tradução livre para o português), mostra uma imagem mista, com alguns países registrando ganhos impressionantes, enquanto outros experimentam aumentos em novas infecções por HIV e mortes relacionadas à AIDS.
“Precisamos urgentemente de maior liderança política para acabar com a AIDS”, disse Gunilla Carlsson, diretora executiva interina do UNAIDS. “Isso começa com investimento adequado e inteligente e com foco nos pontos que tornam alguns países tão bem-sucedidos. Acabar com a AIDS é possível se nos concentrarmos nas pessoas, não nas doenças, criando roteiros e guias para pessoas e localidades que estão sendo deixadas para trás, e adotando uma abordagem baseada em direitos humanos para alcançar aqueles mais afetados por HIV.”
O relatório mostra que as populações-chave e seus parceiros sexuais representam agora mais da metade (54%) das novas infecções por HIV no mundo. Em 2018, populações-chave—incluindo pessoas que usavam drogas injetáveis, homens gays e outros homens que fazem sexo com homens, transexuais, profissionais do sexo e pessoas privadas de liberdade—foram responsáveis por cerca de 95% das novas infecções por HIV na Europa Oriental e Central e no Oriente Médio e Norte da África.
No entanto, o relatório também mostra que menos de 50% das populações-chave foram alcançadas por serviços de prevenção combinada do HIV em mais da metade dos países que reportaram seus números ao UNAIDS. Isso destaca que as populações-chave ainda estão sendo marginalizadas e sendo deixadas para trás na resposta ao HIV.
Globalmente, cerca de 1,7 milhão de pessoas foram infectadas com HIV em 2018, um declínio de 16% desde 2010, impulsionado principalmente pelo progresso constante na maior parte da África Oriental e Meridional. A África do Sul, por exemplo, fez enormes avanços e reduziu em mais de 40% as novas infecções por HIV desde 2010 e em cerca de 40% as mortes relacionadas à AIDS no mesmo período.
No entanto, ainda há um longo caminho na África Oriental e Meridional, a região mais afetada por HIV. Além disso, tem havido um aumento preocupante em novas infecções por HIV na Europa Oriental e Ásia Central (29%), no Oriente Médio e no Norte da África (10%) e na América Latina (7%).
O relatório foi lançado em um evento comunitário em Eshowe, na África do Sul, por Gunila Carlsson e David Mabuza, vice-presidente da África do Sul. O documento contém estudos de casos e testemunhos que identificam programas comunitários capazes de acelerar o ritmo da resposta ao HIV.
“A África do Sul tem uma rica história de comunidades no centro da resposta à AIDS, então é apropriado lançarmos o relatório neste país, em Eshowe, em KwaZulu-Natal, onde um modelo comunitário de prestação de serviços, com o HIV no seu centro, tem mostrado resultados ”, disse o vice-presidente Mabuza.
Financiamento
De forma desconcertante, o relatório mostra que a lacuna entre a necessidade e a disponibilidade de recursos está aumentando. Pela primeira vez, os recursos globais disponíveis para a resposta à AIDS diminuíram significativamente, em quase US$ 1 bilhão, com os doadores desembolsando menos e os investimentos domésticos sem crescimento rápido o suficiente para compensar a inflação. Em 2018, US$ 19 bilhões (em dólares constantes de 2016) estavam disponíveis para a resposta à AIDS, US$ 7,2 bilhões abaixo dos US$ 26,2 bilhões estimados necessários até 2020.
Para continuar avançando na erradicação da AIDS, o UNAIDS pede a todos os parceiros que intensifiquem suas ações e invistam na resposta, incluindo o financiamento completo do Fundo Global de Combate à AIDS, Tuberculose e Malária, com pelo menos US$ 14 bilhões em outubro e através do aumento do financiamento bilateral e doméstico para o HIV.
Tratamento e as metas 90–90–90
O progresso continua rumo às metas 90–90–90. Cerca de 79% das pessoas vivendo com HIV foram diagnosticadas em 2018, 78% dos que conheciam seu diagnóstico positivo para o HIV tinham acesso ao tratamento e 86% destas pessoas em tratamento tiveram a carga viral suprimida ou indetectável—o que significa melhor qualidade de vida e a não transmissão do vírus.
O relatório Comunidades no centro mostra, no entanto, que o progresso rumo às metas 90–90–90 varia muito por região e por país. Na Europa Oriental e na Ásia Central, por exemplo, 72% das pessoas que vivem com HIV tinham sido diagnosticadas em 2018, mas apenas 53% destas pessoas tinham acesso ao tratamento.
“Estou em tratamento há 16 anos, sou indetectável e estou bem”, disse Sthandwa Buthelezi, fundadora da Shine, uma organização em Eshowe que aborda o estigma e a discriminação na comunidade. “Mas o estigma e a discriminação ainda são difundidos, particularmente em serviços de saúde. Como ativista, encorajo todos, incluindo líderes comunitários, a falar abertamente sobre o HIV, para que as pessoas possam viver positivamente e brilhar.”
Mortes relacionadas à AIDS
O número de mortes relacionadas à AIDS continua caindo à medida que o acesso ao tratamento segue em expansão e mais progressos são feitos na melhoria da prestação de serviços de HIV e tuberculose. Desde 2010, as mortes relacionadas à AIDS caíram 33%, para 770 mil em 2018.
O progresso varia entre as regiões. Os declínios globais nas mortes relacionadas à AIDS foram em grande parte impulsionados pelo progresso no leste e sul da África. Na Europa Oriental e Ásia Central, no entanto, as mortes relacionadas à AIDS aumentaram 5% e, no Oriente Médio e Norte de África, em 9%, desde 2010.
Crianças
Cerca de 82% das mulheres grávidas que vivem com HIV têm agora acesso aos medicamentos antirretrovirais, um aumento de mais de 90% desde 2010. Isto resultou numa redução de 41% nas novas infecções por HIV entre as crianças, com quedas notáveis em Botswana (85% ), Ruanda (83%), Malawi (76%), Namíbia (71%), Zimbábue (69%) e Uganda (65%) desde 2010. No entanto, houve quase 160 000 novas infecções por HIV entre as crianças a nível mundial, longe da meta global de reduzir novas infecções por HIV entre crianças para menos de 40.000 em 2018.
Mais precisa ser feito na expansão do acesso ao tratamento para crianças. Estima-se que 940.000 crianças (0-14 anos de idade) que vivem com HIV em todo o mundo estavam em terapia antirretroviral em 2018, quase o dobro de 2010. No entanto, está muito aquém da meta de 2018 de 1,6 milhão.
Mulheres e meninas adolescentes
Embora ainda existam grandes disparidades entre mulheres jovens e homens jovens, com mulheres jovens 60% mais propensas a serem infectadas por HIV do que homens jovens da mesma idade, houve sucesso na redução de novas infecções por HIV entre mulheres jovens. Globalmente, novas infecções por HIV entre mulheres jovens (com idade entre 15 e 24 anos) foram reduzidas em 25% entre 2010 e 2018, em comparação com uma redução de 10% entre mulheres mais velhas (com 25 anos ou mais). No entando, é inaceitável que, a cada semana, 6.200 adolescentes e mulheres jovens sejam infectadas por HIV. Programas de saúde e direitos sexuais e reprodutivos para mulheres jovens precisam ser expandidos e ampliados para alcançar locais de maior incidência e maximizar o impacto.
Prevenção do HIV
O relatório Comunidades no centro mostra que a gama completa de opções disponíveis para prevenir novas infecções por HIV não está sendo usada para otimização de impacto. Por exemplo, a profilaxia pré-exposição (PrEP), medicamento para prevenir o HIV, estava sendo usada por apenas cerca de 300.000 pessoas em 2018, das quais 130.000 estavam nos Estados Unidos. No Quênia, um dos primeiros países da África subsaariana a implantar a PrEP como um programa nacional no setor público, cerca de 30 mil pessoas tiveram acesso aos medicamentos preventivos em 2018.
O relatório mostra que, embora a redução de danos seja uma solução clara para as pessoas que usam drogas injetáveis, a mudança tem sido lenta. As pessoas que usam drogas injetáveis foram responsáveis por 41% das novas infecções por HIV na Europa Oriental e Ásia Central e 27% das novas infecções por HIV no Oriente Médio e Norte da África, ambas regiões que não dispõem de programas adequados de redução de danos.
Os homens continuam de difícil alcance pelos serviços de saúde. A supressão viral entre homens vivendo com HIV entre 25 e 34 anos é muito baixa, menos de 40% em alguns países com alta carga de HIV que apresentam pesquisas recentes. Isso está contribuindo para retardar o progresso na erradicação de novas infecções por HIV entre seus parceiros.
Estigma e discriminação
Ganhos foram alcançados contra o estigma e a discriminação relacionados ao HIV em muitos países, mas as atitudes discriminatórias em relação às pessoas que vivem com HIV permanecem extremamente elevadas. Há uma urgência em eliminar os impulsionadores estruturais subjacentes das desigualdades e barreiras à prevenção e tratamento do HIV, especialmente no que diz respeito às normas e leis sociais prejudiciais, estigma e discriminação e violência baseada em gênero.
As leis criminais, a aplicação agressiva da lei, o assédio e a violência continuam a empurrar populações-chave para as margens da sociedade e a negar-lhes acesso a serviços básicos de saúde e sociais. As atitudes discriminatórias em relação às pessoas que vivem com HIV permanecem extremamente altas em muitos países. Em 26 países, mais da metade dos entrevistados expressou atitudes discriminatórias em relação às pessoas que vivem com HIV.
Comunidades
O relatório destaca como as comunidades são fundamentais para acabar com a AIDS. Em todos os setores da resposta à AIDS, o empoderamento e a apropriação por parte das comunidades resultou em maior aceitação dos serviços de prevenção e tratamento do HIV, redução no estigma e na discriminação e protecção dos direitos humanos. No entanto, o financiamento insuficiente para respostas comunitárias e ambientes políticos negativos impedem que esses sucessos atinjam a escala total e gerem impacto máximo.
Em KwaZulu-Natal, na África do Sul, um em cada quatro adultos (de 15 a 59 anos) vivia com HIV em 2016. Para promover a resposta, a ONG Médicos Sem Fronteiras organizou uma abordagem comunitária para o teste de HIV que liga as pessoas ao tratamento e as apoia para que permaneçam vinculadas a estes cuidados. Em 2018, as metas 90–90–90 foram alcançadas na cidade de Eshowe, na área rural de Eshowe e Mbongolwane, bem antes do prazo de 2020.
Outro estudo na África do Sul e na Zâmbia inscreveu centenas de provedores comunitários de atendimento ao HIV durante cinco anos para visitar residências, fornecer informações sobre o HIV e oferecer testagem e vinculação aos cuidados. O estudo constatou que as áreas com comunidades de agentes provedores de atendimento ao HIV tiveram cerca de 20% menos novas infecções por ano. Além disso, estas comunidades apresentaram aumento de 54% para mais de 70% na proporção de pessoas vivendo com HIV, pessoas em tratamento antirretroviral e pessoas com carga viral suprimida ou indetectável.
O UNAIDS pede que os países cumpram o compromisso assumido na Declaração Política das Nações Unidas sobre o Fim da AIDS para que a prestação de serviços liderada por comunidades seja expandida para cobrir pelo menos 30% de toda a prestação de serviços até 2030. Investimentos adequados devem ser feitos na construção da capacidade das organizações da sociedade civil para prestar serviços de prevenção e tratamento do HIV que sejam livres de discriminação, baseados em direitos humanos e voltados para as pessoas nas comunidades mais afetadas pelo vírus.
Estima-se que, em 2018:
- 37,9 milhões [32,7 milhões – 44,0 milhões] de pessoas em todo o mundo viviam com HIV
- 23,3 milhões [20,5 milhões – 24,3 milhões] de pessoas tinham acesso a terapia antirretroviral
- 1,7 milhão [1,4 milhão – 2,3 milhões] de pessoas foram infectadas com HIV
- 770.000 [570.000–1,1 milhão] de pessoas morreram de doenças relacionadas à AIDS