Sífilis tem cura? Saiba causas, sintomas, estágios e como tratar a doença
Cristina Almeida
Colaboração para o Vivabem
Ao longo da história, a sífilis não poupou reis nem plebeus. Todos sofreram o estigma de serem portadores da temida peste venérea, cuja disseminação era atribuída aos invasores de terras vizinhas ou países longínquos. Passariam séculos até que ela deixasse de ser tratada com compostos à base de plantas, mercúrio e arsênico. Somente na década de 1940 apareceria a penicilina, até hoje utilizada na terapia da sífilis, uma doença causada pela bactéria Treponema pallidum.
Considerada uma infecção sexualmente transmissível (IST), a sífilis atinge 12 milhões de pessoas em todo o mundo e continua a ser um desafio para as autoridades sanitárias. No Brasil, a enfermidade avança entre as mulheres, especialmente as negras e jovens na faixa etária de 20 a 29 anos. A região do país com o maior número de incidência é a Sudeste, representando 51,5% dos casos notificados, seguida da região Sul, com 24,3%. Os dados são do Ministério da Saúde.
A falta de informação sobre a sífilis e suas formas de prevenção é considerado o principal motivo para o aumento do problema nos últimos anos. Apesar disso, quando o tratamento se dá nos primeiros estágios da doença, ele é eficaz e pode evitar consequências graves como danos cerebrais irreversíveis e até óbito.
O que causa sífilis
A sífilis tem como causa uma bactéria, a Treponema pallidum, transmitida por meio de relação sexual, seja ela vaginal, seja anal, seja oral. Outra forma de contágio é transmissão vertical: a sífilis é “passada” pela mãe ao bebê, durante a gestação ou o parto.
Saiba identificar os sinais e sintomas
A infecção possui várias formas de manifestação clínica, que variam de acordo com o seu estágio e que assim se classificam:
Sífilis primária – Na maioria das vezes, manifesta-se por meio de uma úlcera, também chamada de lesão ou ferida única que aparece no período de 10 a 90 dias após o contágio. Geralmente não dói, não arde nem coça. Desaparece espontaneamente entre 2 a 6 semanas.
Sífilis secundária – É o nome que se dá à sífilis não tratada na fase primária. Ela aparece depois de passadas as seis semanas e pode chegar a seis meses desde que apareceu a úlcera inicial. A essa altura, todos os órgãos do corpo podem ser afetados. Notam-se erupções cutâneas e manchas, principalmente na palma das mãos e plantas dos pés. Esses sintomas também desaparecem de forma espontânea, mesmo sem tratamento. Nesse estágio, pode aparecer algum sintoma ocular —geralmente uma inflamação da camada média do olho (uveíte). A principal queixa dos pacientes é a baixa visão ou visão turva. Trata-se da sífilis ocular.
Sífilis latente – Aqui, a infecção já aconteceu há dois anos e os sinais e sintomas desaparecem. Agora, a doença só pode ser diagnosticada por meio de testes laboratoriais.
Sífilis terciária – Representa de 15% a 25% das infecções não tratadas, podendo surgir de dois até 40 anos da primeira infecção. Costuma apresentar lesões em pele, ossos, neurológicas, cardiovasculares e pode levar a óbito.
Quem deve ficar atento
Toda pessoa ativa sexualmente pode ser acometida pela sífilis, especialmente se fizer sexo desprotegido. Caso você se expôs a essa prática sem proteção, fale com um médico para discutir com ele a necessidade de ser testado para detectar a sífilis, ou algum outro tipo de IST.
Confira os grupos específicos que precisam ser testados:
- Todas as mulheres grávidas e já na primeira consulta do pré-natal;
- Pessoas que tenham múltiplos parceiros sexuais;
- Homens que fazem sexo com outros homens;
- Pessoas com HIV;
- Pessoas que tenham parceiros com resultado positivo no exame de sífilis;
- Usuários de drogas.
O que é sífilis congênita?
A bactéria, em qualquer fase da gestação, pode atravessar a barreira placentária e infectar o bebê. De 60% a 90% das crianças nascidas vivas com sífilis congênita não apresentam sintomas (são assintomáticas). Mas a criança demonstrar sinais da infecção já ao nascer, até os dois anos de vida, e mesmo após esse período.
As possíveis complicações dessa infecção são:
- Aborto (a gravidez é interrompida);
- Prematuridade (o bebê nasce antes do tempo);
- Natimortalidade (o bebê nasce morto);
- Manifestações congênitas precoces ou tardias e até a morte do recém-nascido.
Nos casos mais graves, pode ocorrer:
- Aumento do fígado;
- Corrimento nasal;
- Icterícia (coloração amarelada da pele);
- Anormalidades esqueléticas;
- Edema (inchaço);
- Anemia, entre outros.
Sífilis em idosos
O perfil dos adultos maduros mudou nos últimos anos e o que se observa é que eles continuam ativos tanto sexualmente como profissionalmente. Apesar disso, esse grupo tem estado mais suscetível às IST, não apenas por estarem mais expostos a novas experiências, mas porque essa vida sexual continua sendo ignorada durante os atendimentos dos profissionais da área da saúde.
Some-se a isso o fato de que, muitas vezes, os idosos dispensam o uso de preservativo. Se esse é o seu caso, peça a seu médico que ele investigue a existência de alguma enfermidade. “Uma maior naturalidade para falar sobre sexualidade com os idosos dá espaço para orientação, educação e prevenção de doenças”, afirma Rúbia Aguiar Alencar, docente da Faculdade de Medicina da Unesp-Botucatu (Universidade Estadual Paulista).
Quando é a hora de procurar um médico
O ideal seria buscar ajuda médica todas as vezes que você tiver relação sexual desprotegida, o que permitiria avaliar também a presença de outros tipos de infecção. A sífilis tem como característica a melhora das lesões, mas lembre-se que isso não significa que a doença desapareceu.
“É muito importante não ter medo, nem constrangimento de informar ao profissional uma situação de risco. Se identificar alguma lesão, lembre-se de que a doença é tratável. As consequências graves dessa enfermidade só acontecem quando ela não é tratada”, alerta Estevão Portela Nunes, do INI-FioCruz (Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas).
Como é feito o diagnóstico
Durante a consulta, o médico deve ouvir a sua história, examinar seu corpo e pedir um exame sanguíneo chamado VDRL, que busca identificar a presença de anticorpos para combater a presença da bactéria causadora da sífilis. Importante lembrar que esse teste deve fazer parte da rotina laboratorial da gestante.
Como é o tratamento da sífilis
Desde quando a penicilina foi descoberta, na década de 1940, ela tem sido o medicamento utilizado para tratar a sífilis. A substância é bem conhecida, mais ainda quando ouvimos seu nome comercial: Benzetacil (benzilpenicilina benzatina).
O tratamento se dá por meio de injeção intramuscular. O esquema das doses varia de acordo com o estágio da infecção; o tempo da terapia também, podendo ser de uma a três semanas. Os parceiros sexuais também devem ser tratados para evitar nova infecção.
Embora o fármaco seja considerado seguro e eficaz, o efeito colateral mais comum é dor no local da injeção. Contudo, o tratamento pode desencadear outro efeito conhecido entre os médicos como reação de Jarich-Herxheimer, que geralmente se manifesta nas primeiras 24 horas após aplicação da penicilina.
“Caracteriza-se pelo agravamento das lesões (feridas) cutâneas (comeritema), da dor, do prurido, mal-estar geral, febre, dor de cabeça e dor nas articulações (artralgia), que regridem espontaneamente após 12 a 24 horas”, relata Luiz Felipe Dziedricki, ginecologista e obstetra, professor da Faculdade de Medicina da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná). Para controlar esse desconforto, usam-se medicações analgésicas simples e a terapia não precisa ser suspensa.
Por que é preciso sempre refazer os exames?
Mesmo após o tratamento, seu médico poderá solicitar exames periódicos para avaliar se ainda há algum sinal de infecção, especialmente porque ela não leva à imunidade. Um dos achados dos estudos científicos é que pacientes que tiveram sífilis “precisam ser acompanhados regularmente após o tratamento, pois a repetição das infecções são comuns e sem sintomas”. O estudo foi publicado na revista La Revue de Medicine Interne.
O que acontece se você não tratar a sífilis
As feridas podem predispor à infecção por HIV. “Além disso, a sífilis pode evoluir para doenças como a neurossífilis (meningite e AVC – acidente vascular cerebral), cardíacas e articulares. Isso acontece com 2/3 dos pacientes”, explica Silvana Maria Quintana, professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da FMRP-USP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto).
Entenda a relação entre HIV e sífilis
As duas enfermidades têm em comum a mesma porta de entrada: relações sexuais desprotegidas. Quando a sífilis já se manifesta por meio de uma lesão nas regiões mais expostas durante o ato sexual (pênis, vulva, vagina, ânus, boca), a ferida facilita a entrada do vírus da Aids. Uma vez presente o HIV, as defesas do corpo ficam prejudicadas, o que leva uma pessoa com sífilis a quadros ainda mais graves, que evoluem frequentemente para a meningite.
Como prevenir a sífilis
Use camisinha em todas as relações sexuais. O preservativo não protege totalmente contra a sífilis, mas reduz muito o contágio. Isso porque, segundo os médicos, lesões na boca têm sido uma das portas de entrada para esta enfermidade.
Fontes:
Estevão Portela Nunes, vice-diretor de Serviços clínicos do INI-Fio cruz (Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas);
Rúbia Aguiar Alencar, docente da Faculdade de Medicina da Unesp (Universidade Estadual Paulista-Botucatu);
Silvana Maria Quintana, professora associada do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo);
Luiz Felipe Dziedricki, ginecologista e obstetra, professor da Faculdade de Medicina da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).
Revisão Técnica:
Luiz Felipe Dziedricki.
Referências:
Ministério da Saúde; Organização Mundial da Saúde; Rosanna W. Peeling, David Mabey, Mary L. Kamb, Xiang-Sheng Chen, Justin David Radolf, and Adele Schwartz Benzaken. Syphilis. Nat Rev Dis Primes. 2017; Rúbia Aguiar Alencar , Suely Itsuko Ciosak. Aids em idosos: motivos que levam ao diagnóstico tardio. Revista Brasileira de Enfermagem. 2016; Clement ME, Okeke NL, Hicks CB. Treatment of syphilis: a systematic review. JAMA. 2014; M Tampa, I Sarbu, C MateiV Benea, and SR Georgescu. Brief History of Suphilis. J Med Life. 2014.