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Implante subcutâneo promete ser a nova fronteira da prevenção contra o vírus HIV

26 nov, 2019 | Fonte: O Globo

No que poderia vir a ser um marco para a prevenção do HIV , testes muito preliminares de um implante contendo um novo medicamento sugerem que ele pode proteger contra a infecção por um ano inteiro. A pesquisa foi apresentada nesta terça-feira em uma conferência internacional sobre a AIDS na Cidade do México.

O novo implante da farmacêutica MSD foi testado em apenas 12 pacientes por 12 semanas, mas especialistas se mostraram bastante entusiasmados com o seu potencial para revolucionar a longa batalha contra o vírus HIV .

Novos métodos de prevenção do HIV vem sendo muito requisitados. Cerca de 75 milhões de pessoas contraíram o vírus letal desde o início da epidemia de AIDS. Mesmo agora, quase 1,7 milhão de pessoas são infectadas a cada ano, apesar de décadas de campanhas em prol de preservativos e abstinência e anos de esforços para levar as pessoas a tomarem uma pílula diária que previne a infecção.

“Se, e estou enfatizando o ‘se’, for confirmado por um teste mais amplo que ele oferece um nível de medicamento que protege por um ano, isso seria um divisor de águas”, disse Anthony S. Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos e um dos principais especialistas em AIDS.

Robert M. Grant, pesquisador da Universidade da Califórnia, em São Francisco, que conduziu o revolucionário estudo de 2010 que provou que uma pílula diária poderia frear o HIV, disse que esperava um avanço baseado na nova droga poderosa usada no implante.

O dispositivo “parece ideal em muitos aspectos”, acrescentou. “Ele pode ser removido se houver efeitos colaterais ou infecção pelo HIV.”

A inovação da MSD inclui o lançamento de um novo medicamento anti-retroviral, o islatravir, com uma tecnologia comprovadamente usada para controle de natalidade: um bastão de plástico do tamanho de um palito de fósforo inserido logo abaixo da pele do braço que libera doses minúsculas da medicação.

Mulheres africanas são as mais vulneráveis

Muitas pessoas que correm risco de infecção por HIV, particularmente mulheres na África, precisam de métodos de prevenção mais fáceis de usar e de esconder do que um frasco de comprimidos.

Segundo a Unaids/ONU, mais de 6 mil mulheres jovens com menos de 24 anos são infectadas a cada semana, e 80% dos adolescentes infectados na África são meninas.

Isso porque as jovens africanas são frequentemente vítimas de estupro ou simplesmente pressionadas a fazerem sexo com homens mais velhos em troca de comida, roupa ou dinheiro.

Outro estudo divulgado nesta terça-feira na mesma conferência reforçou a extrema vulnerabilidade das jovens africanas.

Nele, 427 mulheres e adolescentes da África do Sul e Zimbábue receberam comprimidos do Truvada, medicamento usado na profilaxia pré-exposição para prevenir a infecção pelo HIV, também chamada de PrEP, usada nos Estados Unidos.

Eles tinham lembretes diários para tomar as pílulas todos os dias, mas, depois de um ano, exames de sangue mostraram que menos de um terço ainda tomava o remédio. Apenas 9% das mulheres e meninas fizeram o tratamento correto de forma a obter níveis protetores da droga em sua corrente sanguínea.

Os autores do estudo ainda estão entrevistando as participantes para entender por que elas não cumpriram o tratamento. Muitas mulheres africanas dizem que não podem manter os medicamentos contra o HIV em casa por temerem acusações da família, dos vizinhos e parceiros de serem imorais ou de serem portadoras de HIV. Algumas temem ameaças ou até agressões físicas.

Testes clínicos entre mulheres na África muitas vezes falham ou produzem resultados de difícil interpretação, porque algumas participantes se inscrevem, mas raramente usam as intervenções que estão sendo testadas.  Em entrevistas posteriores, muitas já admitiram que só toparam participar porque os testes oferecem assistência médica gratuita e pagamentos modestos.

Islatravir é dez vezes mais potente

O medicamento usado nos novos implantes é o islatravir, que, até a semana passada, era conhecido como EFdA ou MK-8591. É o primeiro de uma nova classe de remédios que bloqueiam o movimento da enzima responsável pela clonagem do DNA do vírus para que ele possa infectar novas células.

Islatravir tem “alguns atributos notáveis”, disse Roy D. Baynes, diretor médico da Merck.

É dez vezes mais potente do que qualquer outro remédio para o HIV, segundo ele, e quantidades tão pequenas são eficazes, o que reduz o risco de efeitos colaterais. A droga permanece no corpo por um tempo relativamente longo — depois de cinco dias, metade da dose permanece — então ela pode ser administrada em frequências menores que outros medicamentos para o HIV.

E, diferentemente de outros medicamentos contra o HIV, o islatravir é absorvido pelos tecidos anal e genital, que é o local onde a maioria das infecções se inicia. E, por atacar uma etapa diferente no processo de infecção, ela parece não dar origem a cepas virais com resistência cruzada a outros medicamentos para o HIV.

Outras farmacêuticas relataram recentemente sucesso com outras formas de prevenção de HIV de ação prolongada. Por exemplo, injeções de cabotegravir ou rilpivirina nas nádegas protegeram os participantes do estudo por um mês.

Mas as injeções intramusculares mensais são inconvenientes e às vezes dolorosas. E implantes podem ser removidos. A meia-vida do cabotegravir injetável, por exemplo, é de cerca de 40 dias. Ou seja, se um usuário desenvolve uma infecção de HIV “revolucionária” mesmo tomando a injeção, a droga persistente pode levar o vírus a se transformar em uma forma resistente.

Teste longo e caro

Embora os cientistas estejam entusiasmados com as possibilidades do implante da MSD, eles alertaram que a nova tecnologia ainda precisa provar a si mesma.

A droga protegeu ratos e macacos contra várias tentativas deliberadas de infectá-los, mas testes em humanos até agora têm sido apenas para segurança: checar se um punhado de pessoas pode tolerar o implante por três meses sem efeitos colaterais perigosos.

A suposição de que o implante poderia proteger contra o HIV por um ano foi obtida estimando a quantidade de droga que é considerada protetora e o quanto o implante pode suportar. Um teste na vida real significa dar o implante a milhares de homens e mulheres sexualmente ativos ou usuários de drogas, e rastrear quantos são infectados.

Tal teste será longo e caro, disse Mitchell J. Warren, diretor executivo do AVAC, um grupo de defesa da prevenção do HIV.

Os participantes não podem apenas receber o implante e instruções para sair fazendo sexo ou injetando drogas. Eticamente, devem ser oferecidos os melhores métodos de prevenção disponíveis, incluindo PrEP oral, preservativos, seringas limpas e aconselhamento intensivo sobre sexo seguro ou uso seguro de drogas.

Isso significa que muitos indivíduos devem ser acompanhados por anos para ver se o implante funciona melhor que outros métodos.

Baynes, da MSD, recusou-se a discutir como o próximo teste seria projetado ou especular sobre quanto tempo levaria. A empresa, disse, consideraria testes nos Estados Unidos, onde a maior parte da transmissão do HIV é entre homens gays, e na África, onde o vírus é transmitido principalmente entre homens e mulheres.

Ele também se recusou a discutir o custo final, limitando-se a dizer que estão “comprometidos com preços responsáveis”.

O preço é uma questão profundamente controversa na PrEP. As altas esperanças de um rápido fim da epidemia de Aids levantada pelo estudo de 2010 foram frustradas depois que relativamente poucos americanos começaram a tomar o Truvada — em parte porque a Gilead elevou o preço para US$ 20 mil por ano e processou todo concorrente genérico que tentou entrar no mercado.

Outros grupos de pesquisa começaram a testar implantes subdérmicos semelhantes para a prevenção do HIV, como um que contém uma nova forma de tenofovir, o principal medicamento no Truvada.

Os altos preços dos métodos de prevenção têm sido uma constante decepção, disse Grant: “Há sempre um novo objeto brilhante, e as pessoas se perguntam: ‘Quem se importa com o que custa?'”

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