Brasil matou 163 pessoas trans em 2018; Mais da metade foi morta por arma de fogo
Thalia, Priscila, Laysa, Nicolly, Scarlety. Estas foram algumas das vítimas da transfobia no Brasil em 2018. De acordo com um levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), feito em conjunto com o Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE), 163 pessoas trans foram assassinadas no País no ano passado.
Segundo o relatório, os alvos desses crimes têm cor e idade: 97% são travestis e mulheres trans, 82% são pretas ou pardas e 60,5% tem entre 17 e 29 anos.
O relatório será lançado oficialmente nesta terça-feira (29), Dia da Visibilidade Trans, mas foi antecipado com exclusividade ao HuffPost Brasil. O “Dossiê dos Assassinatos e da Violência contra a População de Travestis e Transexuais no Brasil em 2018” traz o número de mortes com base nas informações divulgadas pela mídia e em dados que chegam por afiliadas à Antra, grupos específicos que compartilham esse tipo de informação e agentes de segurança pública.
Apesar de o número de mortes em 2018 ser inferior ao registrado em 2017, quando ocorreram 179 casos – o maior índice em 10 anos -, houve um aumento no número de crimes não noticiados pela mídia, revela a pesquisa.
Cerca de 30% dos 163 crimes cometidos no ano passado não foram noticiados em nenhum veículo de comunicação. A Antra afirma que encontrou notícias de que apenas 15 casos tiveram os suspeitos presos, o que representa 9% dos casos.
O relatório considera que o número de assassinatos registrado é menor do que o que de fato ocorre, reforçando que há subnotificação e que a falta de tipificação deste tipo de crime dificulta o monitoramento dos dados.
“Está comprovada a subnotificação quando não há dados oficiais. Demos o exemplo do Ceará, no caso Dandara: a Secretária de Segurança deu zero casos de transfobia em 2017, quando, naquele ano, o estado foi o que mais matou travestis e transexuais. A falta de dados já é uma face da subnotificação”, explica a secretária de Articulação Política da Antra e autora do estudo, Bruna Benevides.
O Supremo Tribunal Federal deve começar a julgar em fevereiro 2 ações que pedem a tipificação da homotransfobia no Código Penal. “A tipificação ajudaria a levantar dados oficiais. Não resolve a questão, visto a dificuldade de enquadramento, mas ajuda a ter um levantamento pelo Estado sobre esses crimes. A aprovação da criminalização pode frear o avanço das violências e gerar dados por haver enquadramento previsto”, afirma Benevides.
″É preciso ter uma legislação própria que vá criminalizar quem comete esses atos. E é preciso uma observação muito acurada sobre esses crimes. Um crime brutal como esse que ocorreu em Campinas, contra a travesti Quelly, não pode ser tipificado somente crime de homicídio. Ele é um crime motivado por transfobia”, reforça a ativista Keila Simpson, presidente da Antra.
Requintes de crueldade
Dos casos contabilizados pelo dossiê, 53% foram cometidos com armas de fogo, 21% com arma branca e 19% por espancamento, asfixia e/ou estrangulamento. Oito em cada 10 crimes apresentaram requintes de crueldade, como o uso excessivo de violência, esquartejamentos e afogamentos. Ocorreram ainda 11 casos de execução direta com número elevado de tiros – entre 6 e 26 disparos – e diversos apedrejamentos e decapitações.
“Esse nível de crueldade é uma marca relativamente comum do ódio transfóbico”, afirma o advogado Paulo Iotti, do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero (GADvS).
A idade média das vítimas dos assassinatos em 2018 é de 26 anos. Ainda segundo o levantamento, 65% dos crimes foram contra mulheres trans profissionais do sexo e 60% deles aconteceram nas ruas.
De acordo com dados levantados pela Antra, 90% da população de travestis e transexuais utilizam a prostituição como fonte de renda e subsistência, devido à baixa escolaridade provocada pelo processo constante de exclusão escolar e familiar vivenciado por essas pessoas desde muito cedo.
“O não reconhecimento das identidades trans, o abandono familiar, a exclusão escolar, a precarização laboral e a exclusão do mercado de trabalho, são aspectos que levam à marginalização dessa população”, diz o relatório.
Em 2018, a pesquisa da Antra e do IBTE também mapeou as tentativas de homicídio sofridas pela população trans no Brasil. Foram 71 casos registrados pela imprensa, um número 9,8% maior em relação ao ano anterior. Todas as vítimas são do gênero feminino e 72% são prostitutas.
Transfobia nos estados
Em números absolutos, o Rio de Janeiro foi o que mais matou pessoas trans em 2018, com 16 assassinatos. A Bahia registrou 15 casos, São Paulo, 14, o Ceará 13 e, em quinto lugar, o Pará, com 10.
Em números proporcionais à população, o ranking se altera, com o Mato Grosso em primeiro lugar, Sergipe em segundo, Roraima em terceiro, Rio Grande do Norte em quarto e o Amazonas em quinto, com as mais altas proporções de assassinatos de pessoas trans por 100 mil habitantes.
O dossiê da Antra ressalta que, atualmente, apenas seis estados aplicam a Lei Maria da Penha para travestis e transexuais no país: Acre, Pará, Piauí, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. Porém, o relatório avalia que isso ocorre de forma muito incipiente e que as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher não estão preparadas para receber pessoas trans vítimas de violência.
“O Estado, na realidade, é o que mais violenta esse grupo, não reconhecendo sua identidade de gênero”, diz o texto.
Suicídio e outras mortes
Os números de suicídio reportados entre a população chegaram a 8 no ano passado. Em 2017, foram 7 casos e, em 2016, 12.
O relatório “Transexualidades e Saúde Pública no Brasil: entre a invisibilidade e a demanda por políticas públicas para homens trans”, do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT da UFMG , revelou que 85,7% dos homens trans já pensaram em suicídio ou tentaram cometer o ato.
Em 2016, 2017 e 2018 foram registradas 7, 6 e 5 mortes ocasionadas pelo uso de silicone industrial, respectivamente.